Lidar com a perda de um familiar ou amigo próximo é uma das experiências mais duras da vida. O luto chega com um peso emocional profundo, e com ele, uma série de tarefas práticas que, inevitavelmente, precisam de atenção. Uma das mais difíceis, e frequentemente evitada, é a triagem e seleção dos bens da pessoa que partiu. Não é por acaso que já vi e tive conhecimento de várias casas fechadas e inutilizadas durante anos, continuando os familiares num processo de evitamento constante.
Este processo, aparentemente logístico, está repleto de emoções: memórias, dúvidas, culpas e saudades. Por isso, deve ser encarado com a sensibilidade e o respeito que merece.
Quando começar?
Não existe um tempo certo.
É comum ouvir conselhos como “deve arrumar logo tudo” ou “espera mais um tempo”. No entanto, no luto não existem regras inquebráveis. Cada pessoa tem o seu próprio ritmo e todos eles são válidos.
Alguns sentem necessidade de arrumar e organizar poucos dias após a perda, como forma de lidar com o choque e encontrar alguma ordem no caos. No entanto é preciso alguma sensibilidade para estas situações, pois frequentemente, quando o processo é realizado demasiado cedo, surge mais tarde o arrependimento pela triagem efetuada. Outros só conseguem encarar esse momento muitos meses, ou até anos, depois. E tal como já referi, há quem, por várias razões, nunca o consiga fazer sozinho.
É fundamental respeitar o tempo e os limites emocionais de cada um. Ninguém deve sentir-se culpado por adiar ou por querer avançar com este processo. No entanto, se a acumulação dos objetos se torna uma fonte contínua de angústia ou bloqueio, pode ser um sinal de que está na altura de procurar apoio — emocional, familiar ou até profissional.
Por onde começar?
Uma sugestão prática é iniciar o processo pelos itens que não carregam grande peso emocional: alimentos perecíveis, medicamentos vencidos, papéis antigos, objetos sem valor simbólico. Estas pequenas ações podem funcionar como uma introdução mais leve a uma tarefa que, inevitavelmente, se tornará mais emotiva.
À medida que o processo avança, surgem decisões mais difíceis: o que fazer com a roupa? E com os objetos pessoais, os livros, as fotografias, os presentes que ofereceu?
Aqui, não há regras fixas. Pode optar por guardar o que mais significado tem, doar o que possa ser útil a outros ou até transformar certos objetos em algo simbólico, como uma almofada feita a partir de uma camisa especial ou um álbum com fotos e cartas.
Culpas, dúvidas e o papel de quem ajuda
É muito comum surgir um sentimento de culpa ao desfazer-se dos bens de quem partiu. Como se deitar fora um objeto fosse, de certa forma, apagar uma memória. Mas é importante lembrar: os objetos não são a pessoa. O amor, os momentos partilhados, as memórias — esses permanecem.
Se estiver a ajudar alguém neste processo, tenha em mente que o mais importante não é “resolver a arrumação”, mas estar presente. O ideal é que este processo seja feito com alguém de confiança, que saiba escutar, acolher as emoções e ajustar o ritmo consoante as necessidades da pessoa enlutada. Às vezes, mais do que ajudar a organizar, é preciso simplesmente estar ao lado, em silêncio, oferecendo um ombro seguro.
Uma tarefa emocional, mais do que prática
Fazer a triagem dos bens de quem partiu é, acima de tudo, um processo de despedida. É reviver memórias, enfrentar silêncios e, aos poucos, deixar ir. E isso não acontece de uma vez. Pode haver pausas, retrocessos, lágrimas e até riso — porque muitas memórias, apesar da dor, trazem também amor e alegria.
Vestir esta tarefa de racionalidade quando o coração está feito em cacos é algo que poucos conseguem fazer sozinhos. E está tudo bem. O mais importante é lembrar-se de que esta etapa, por mais difícil que seja, pode também ser uma forma de homenagem. Um passo, ainda que doloroso, no caminho da cura.